Arrumo livros - num dia bom, eu arrumaria e desarrumaria livros,
abrindo-os, folheando-os, lendo passagens que a memória não guardou mas que
ainda retinem no coração – e encontro, no “Poemário”-prenda-de-Natal, “Os Sinos”
por Mário Rui de Oliveira.
“Como o amolador de tesouras, persiste no meio da cidade. Na sua inocência,
as coisas por nós perdidas dançam. Que memória nos trazes, ó visitador? Que
estradas conhecem tua voz, intimíssimo amigo que esquecemos?
É tarde e, talvez, já ninguém. Mas na rua passou a voz do amolador,
orvalhada, como os sinos da velha igreja. Não tocam, mas os pássaros cantam lá
dentro”.
Este poema é como a Nova Iorque dos campos na cidade: mesmo que nunca lá
tenhamos estado, há um sentimento permanente de “déjà vu”.
Um ou dois livros mais adiante - "Tosquias festa e arte por Luísa Gonçalves e Duarte Gomes" -encontro algo que me faz lembrar o amolador
de tesouras: Mateus Filipe Miragaia, residente em Donfins, anexa da freguesia
de S. Pedro do Jarmelo, no Concelho da Guarda, é o último artesão a produzir
tesouras para tosquias. Hoje em dia, as tesouras já não mastigam tanto porque quase se abandonou a
tosquia manual das ovelhas; mas quantos pássaros cantarão (caberão) nas pancadas na
bigorna ao fazer as tesouras das tosquias?