Dedicado a todos aqueles que, corajosamente, fazem da rua o seu poiso
O senhor do raspa[1], o Benjamim, foi encontrado morto[2]. O senhor do raspa era o senhor que, durante anos e anos, instalou o seu escritório – leia-se o seu banco e a sua mesinha – na rua de João Tavira. O chão do seu escritório era de calçada portuguesa e as paredes eram invisíveis como os muros da sociedade em que vivemos; a porta, essa, estava sempre aberta. Os raspas estavam alinhados numa ordem desconhecida. A seu lado, normalmente, havia uma companhia feminina – ao ler a notícia sobre a sua morte, descubro que era a sua mãe. Eram pessoas que conheciam o escritório não protegido da rua.
Lembrei-me que conheço outras pessoas que também povoam escritórios não protegidos da rua e quis relembrá-los aqui. A senhora da marcela da rua Fernão Ornelas e, aos sábados, do mercado. Há dias, ouvia-a na televisão a dizer que o marido planta marcela e ela vende-a para arredondar os finais de mês. Pareceu-me bonito este fordismo sentimental.
Lembro-me também das senhoras da casa de bordados da mesma rua Fernão Ornelas que vão gastando a vista e as costas no início da escadaria que eu nunca subi e do senhor da rua da Boa Viagem que vende meias e ideias. Não me esqueço também do acordeonista cego que toca e canta na ponte do Bazar do Povo; já há muito tempo que não o ouço porque ver, como ele, vejo-o sempre mesmo que ele lá não esteja. A estes e a muitos outros, quando puder, voltarei a bater à porta in-existente do vosso escritório. O artigo já mencionado dizia que Benjamim vendia sonhos; e, agora, quem os venderá?
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