Eu comprava o mundo (“Le monde”)
e ela agarrava-me na nota que o pagava e dava-me o troco como quem joga
berlindes, numa velocidade infernal. À saída, uma senhora de cabelos brancos,
que lhe vão bem com o casaco de Inverno escarlate, estaciona o carro alemão com
uma rapidez que penso ir acabar o mundo. O mundo não acaba, pelo menos, hoje,
penso eu, talvez equivocado.
Folheio a revista que veio com o
jornal no serão de sexta e encontro o escarlate do casaco da senhora. É uma
fotografia de Nobuyoshi Araki e leio o seguinte: “(…)Et toute photo n’est rien
d’autre que la répresentation d’un jour unique. Et ce jour unique contient à la fois le passé et la projection de l’avenir”.
Lido isto fico a pensar cá para mim se o presente-escarlate que
escaparia a esta foto não estaria nos berlindes imaginários da rapariga da
tabacaria e no casaco da senhora do carro alemão. Quem sabe?
Tudo isto me parecia, contudo,
tão distante do silêncio, que, acoplado a uma folha em branco e, nos movimentos
de uma caneta, nos faria ouvir Deus (ouvir aqui o programa de 8 de Novembro da “Global News” da BBC
sobre “joy of silence”) ou, o que talvez seja o mesmo, nós mesmos.
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