Estrangeiro, meteco, de outra laia, o outro, “barata”, “mosquito”:
sempre houve e haverá, infelizmente ainda por muito tempo, várias maneiras de
denominar aquele que está do outro lado; na verdade, tenta-se desvalorizar o
desconhecido, receia-se a diferença e a quebra da rotina. Hoje, 27 de Janeiro, é
um dia em que se comemora sobretudo aqueles que, por causa da sua diferença,
foram ostracizados da cidade, do campo de visão, do con-tacto humano; hoje, é
também um dia em que se comemora aqueles, que, por várias razões – razões que,
como os rios, desembocam no mar da humanidade – lutaram ao lado dos que eram afastados
da vida devido à sua diferença.
É com bastante pena que ouço na rádio, que, neste mesmo
dia de exaltação da pessoa e da liberdade de ser diferente – duas dimensões da
dignidade da pessoa humana – acontece, em Viena – capital de um país onde
talvez o debate sobre o passado nazi ainda não tenha atingido foros de cidade -
um baile onde se reúnem vários representantes dos diferentes movimentos de
extrema-direita que grassam por (quase) toda a Europa. Estas conexões com os
movimentos de extrema-direita levaram mesmo a que o baile de Viena fosse retirado da lista de
património cultural da humanidade da UNESCO.
Apesar disso, há com certeza centelhas de esperança, como
o recente pedido de
desculpas por parte do primeiro-ministro norueguês - que já havia carregado
a humanidade às costas quando proclamou ao mundo, depois do massacre na Noruega,
que estas afrontas à humanidade no seu conjunto só se combatem com mais democracia – pela participação da
Noruega na deportação de Judeus durante o Holocausto.
É com certeza
necessário relembrar Edmund Burke quando disse que “all that is necessary for
the triumph of evil is that good men do nothing”.
No dia anterior a esta celebração, ouvia também na rádio,
que, numa sondagem recente encomendada pela revista alemã “Stern”, 21% dos jovens
alemães, com idade entre os 18 e os 29 anos, não sabem que Auschwitz foi um
campo de extermínio; e 31% não sabem indicar no mapa a localização de
Auschwitz. Perguntei-me a mim mesmo: e onde fica Auschwitz no nosso coração?
Quando esta quinta-feira, o Comissário para os Direitos
do Homem junto do Conselho da Europa apresentou o seu relatório
anual à respectiva Assembleia Parlamentar, referiu que um dos ingentes problemas
que aflige, hoje, as sociedades europeias é precisamente a falta de tolerância,
mencionando a falta de personalidades políticas – a todos os níveis: europeu,
nacional, regional e local - que veiculem a mensagem que não há qualquer
necessidade de temer o outro, mesmo em tempos de crise económica. Se isto não
for feito, estes grupos de extrema-direita continuarão a alargar o seu campo de influência, acrescentou.
Apesar disso, uma sondagem efectuada pelo “Holocaust
Memorial Day Trust” demonstra que mais de metade das pessoas questionadas
consideraram que as redes sociais eram importantes na luta contra a
discriminação e na promoção da tolerância. Fica então aqui o repto – e a
contribuição - para que se contraponha à falta de vontade, visão e coragem
política de vários agentes políticos, o empenhamento cidadão a favor do ser humano, quer seja judeu, de etnia cigana, homossexual, cidadão com deficiência, emigrante, exilado, mulher, criança ou portador de qualquer característica que o/a torne vulnerável. Porque, como lembrava o Comissário
no referido discurso, os bodes expiatórios de hoje são os mesmos bodes
expiatórios de ontem e que esta versão travestida, espertalhona, de
extrema-direita é ainda mais perigosa do que a anterior.
Parafraseando o poeta Tolentino Mendonça, apetecia mesmo perguntar, a que distância deixámos Auschwitz? A tal pergunta, só me apetece responder, porque não oferecer às crianças de amanhã (que trazemos por dentro) o melhor da humanidade de hoje?
Nota Bene: As Nações
Unidas decidiram, a 1 de Novembro de 2005, assinalar o dia 27 de Janeiro –
o aniversário da libertação de Auschwitz pelas tropas soviéticas – como o dia
internacional para a comemoração das vítimas do Holocausto.
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