sábado, 23 de junho de 2012

Passa-porte com sotaque(s)


Hoje, fui renovar o meu passa-porte; eu sem o meu passa-porte fico como o mar do Norte (da Madeira, não da Europa) que “faz borbulhinhas na mão”.


O meu passa-porte leva-me para lugares que, como dizia o Vinicius ao cantar o fado que compôs, “Saudades do Brasil em Portugal”, me ajudam a “botar um poquinho de sotaque” em mim mesmo. Sem sotaques o mundo seria insonso; sem carimbos, desnudo, o passa-porte seria triste, seria apenas porte sem passa. Por isso, na Expo 98, as crianças (e não só) corriam de um lado para o outro, de pavilhão em pavilhão, amealhando carimbos nos seus passaportes de brincadeirinha.

Não sei se se apercebem mas eu escrevo com sotaque madeirense; para ouvi-lo têm que ler em voz alta o que eu escrevo; o enrolar da onda no calhau, o vento que despenteia a árvore no jardim de casa, os cães à volta do mercado, as tesouras do barbeiro onde o meu avô ia, sentando-se naquelas cadeiras americanas vermelhas e brancas; tudo isto cabe no sotaque que não se ouve da minha escrita. E o resto são estórias com passa-portes.

O meu sotaque pertence-me tanto e faz-me tanta falta como um braço ou uma perna; nesta idade da globalização ajuda-me a fixar raízes, mesmo que, como diga a Debora Noal, estas sejam aéreas.


quarta-feira, 13 de junho de 2012

Da minha rádio ouve-se o mar


Começa a reportagem a ouvir-se o mar, o mesmo que havia engolido casas, carros, estradas, e, pessoas. Shihoko Gouveia, japonesa habitante em Cascais, há 30 anos, percebeu o que a nossa sociedade pena a compreender: “o dinheiro é só dinheiro”.

Shihoko subvencionou a 100% o transporte e o alojamento de 24 crianças japonesas para visitarem Portugal, porque, depois de uma catástrofe, não se pode ficar no mesmo lugar; tem que avançar-se; não, não é uma fuga para a frente mas sim subir às colinas de Lisboa, respirar, e depois voltar à mátria; e que mátria tão bonita eles têm.

Já em doca: apresento-vos este escrito já antigo que encontrei num computador que não desligo, que hiberna, esperando que eu volte a ele, como um animal de estimação. Escrevo depois da vitória nos últimos minutos do jogo Portugal-Dinamarca: “dinheiro é só dinheiro”; e o jogo? e o País? E depois?

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O que o mundo poderia ter sido é possível

Um dia um amigo italiano que havia trabalhado em Timor-Leste disse-me que Timor é o que o mundo poderia ter sido; na recente entrevista dada por Ramos Horta ao “Público” leio a frase com que ele a termina: “Timor é possível”. Por dedução silogística, o que o mundo poderia ter sido é possível.

Contudo, o mesmo jornal “Público” relata a festa da liberdade (a comemoração dos 10 anos da independência de Timor-Leste celebrada a 20 de Maio de 2012) e menciona que, durante as celebrações oficiais, as autoridades timorenses e os convidados encontravam-se de “costas viradas” [sic] para os timorenses; o terreiro de pó em que se encontravam os timorenses contrastava com as poltronas e cadeiras das tendas VIP para os dirigentes políticos e convidados. No país do sol nascente, parece que haverá afinal algo de novo sob o sol.

Em bahasa indonésio, “timor” significa leste; Timor-Leste é, por isso, o leste do leste, o que está verdadeiramente longe. Lembro-me de andar por Bali, a ilha dos Deuses, e de querer muito ir ao leste do leste. Perguntava como ir de Bali a Timor-Leste mas todos me diziam que era complicado. Na verdade, a distância psicológica entre Bali e Timor-Leste é muito maior que a distância física como descobri no dia do nosso regresso visto que há um voo directo de Bali para o leste do leste.

Pedro Rosa Mendes, num artigo sobre Timor-Leste, recorda-nos que “um país é uma casa sagrada”, o que seguramente os romanos já celebravam (em latim, “domus” significa simultaneamente casa e pátria). Eu e muitos outros construímos também a nossa “domus” em terras do leste do leste mesmo que nunca lá tenhamos ido.

Les Pirates sont arrivés en Alsace

The street is calling II



"Culturez moi"

 

Photo prise devant le “Palais Universitaire” de Strasbourg, le 31 mai 2012.