sábado, 23 de junho de 2012

Passa-porte com sotaque(s)


Hoje, fui renovar o meu passa-porte; eu sem o meu passa-porte fico como o mar do Norte (da Madeira, não da Europa) que “faz borbulhinhas na mão”.


O meu passa-porte leva-me para lugares que, como dizia o Vinicius ao cantar o fado que compôs, “Saudades do Brasil em Portugal”, me ajudam a “botar um poquinho de sotaque” em mim mesmo. Sem sotaques o mundo seria insonso; sem carimbos, desnudo, o passa-porte seria triste, seria apenas porte sem passa. Por isso, na Expo 98, as crianças (e não só) corriam de um lado para o outro, de pavilhão em pavilhão, amealhando carimbos nos seus passaportes de brincadeirinha.

Não sei se se apercebem mas eu escrevo com sotaque madeirense; para ouvi-lo têm que ler em voz alta o que eu escrevo; o enrolar da onda no calhau, o vento que despenteia a árvore no jardim de casa, os cães à volta do mercado, as tesouras do barbeiro onde o meu avô ia, sentando-se naquelas cadeiras americanas vermelhas e brancas; tudo isto cabe no sotaque que não se ouve da minha escrita. E o resto são estórias com passa-portes.

O meu sotaque pertence-me tanto e faz-me tanta falta como um braço ou uma perna; nesta idade da globalização ajuda-me a fixar raízes, mesmo que, como diga a Debora Noal, estas sejam aéreas.


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