domingo, 30 de setembro de 2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Como o Seu Júlio gosta do vão livre do Tiradentes


O senhor Júlio tem cabelos brancos como a neve que nunca cai em Belo Horizonte. Ainda se vêem alguns tufos de cabelo pintado mas a alvura vai vencendo uma luta desigual.

Ele tem uma lanchonete na Savassi, um dos bairros de Belo Horizonte, há 35 anos, disse-me ele, abrindo a mão em arco. Ele veste camisa e colete o ano todo, quando faz frio e quando faz menos frio. Um homem sem hábitos não é homem.

O negócio talvez tenha baixado desde que os administradores da Praça da Liberdade passaram para a cidade administrativa desenhada por Niemeyer, em Confins, perto do aeroporto. O senhor Júlio talvez não tivesse pensado que aquele arquitecto que não gosta de linhas rectas, e, por conseguinte, de esquinas, lhe iria trocar as voltas. A verdade é que Seu Júlio não deixa de admirar aquele vão livre de 147 metros - o maior do mundo - do Palácio Tiradentes, um dos edifícios da cidade administrativa. O senhor Júlio sorri por dentro ao pensar que o vão livre (“a pala”) do Siza, no Pavilhão de Portugal, do outro lado do Atlântico, tem apenas 75 metros. Tiradentes – ou Xavier, como lhe chamava Véronique, uma das personagens do imperdível livro “A Paixão deTiradentes” - não tinha disputado apenas a soberania injusta da coroa portuguesa, tinha, através de Niemeyer, provado que, nem tudo o que desafia as leis (da Coroa e da gravidade) tem necessariamente de cair, ou, por outras palavras, que nem tudo o que cai é porque não se poderia ter mantido de pé.

Ao senhor Júlio também lhe corre sangue português nas veias; não se sabe muito bem donde mas, isso, não é importante. O sangue português e brasileiro são indissociáveis e não era preciso um acordo ortográfico para nos sentirmos mais próximos.

Sentamo-nos numa mesa perto da calçada portuguesa de gosto tropical e vemos Belo Horizonte passar; e o bolo é bom e o cafezinho sabe bem. De repente, sai uma empregada da cozinha que adverte Seu Júlio para que um salgado já tá acabando e que é melhor fazer mais. O Seu Júlio, como que transfigurado em general de um exército de um só soldado (soldada, porque no Brasil tudo tem feminino, o que não é necessariamente mau) estica a farda que ainda agora era colete, ajeita o cabelo e, no meio daqueles olhos mansos, diz, com um gesto resoluto da cabeça e seguro de si: “Avance!”.

No Senhor Júlio, os salgados e o cafezinho ainda são acessíveis a uma bolsa normal. Numa Savassi que se moderniza, o que vai sendo sinónimo de aumento generalizado de preços, a pergunta que me ia colocando era: até quando?

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Sonhos que tenho em linhas azuis


Devíamos guardar sempre balões por encher à cabeceira da cama. Assim, quando acordássemos, poderíamos enchê-los com o que resta dos sonhos e eles poderiam regressar ao céu. Por enquanto, e em vez de balões, tenho linhas azuis onde vou deixando alguns dos sonhos que vou tendo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Pescador(es) de si mesmo(s)

 
Quem pesca quem?
Qui pêche qui?
Who fishes whom?
 
 
 
Fotografia tirada a 16 de Setembro de 2012, por detrás da Cité de la Musique et de la Danse, em Estrasburgo, França.

sábado, 15 de setembro de 2012

Portugal que amanhece


Visto num cartaz na manifestação da Avenida dos Aliados: “só os beijos me calarão a boca”.

Em frente à escadaria da Assembleia da República, ouvia-se “A polícia é do Povo”. Havia também um coração vermelho, recortado, que pairava por sobre a multidão, como os corações que se prezam.

A Inês, de 11 anos, dizia que esperava que com esta “revolução” o Passo Coelhos se demita.

Em Évora, dizia-se que o pior inimigo são os que não têm fome e que nos tiram o que comer.

No Funchal, havia gente na rua (o que já não é pouco).

domingo, 9 de setembro de 2012

Quando a emancipação feminina começa no fundo de uma caixa de madeira

No Norte da Nigéria, em Kano, a segunda maior cidade do país, uma caixa de madeira guarda economias de toda uma cooperativa. Em folhas de papel longe de estar liso, inscrevem-se economias e as linhas azuis naquela página de papel branco não mostram mais que 10 ou 20 cêntimos de euro por cooperante. Contudo, estas pequenas economias permitem fomentar toda uma economia local, através de empréstimos que permitem comprar animais, que depois ajudam a repagar o empréstimo e propiciam uma vida mais condigna. No ecrã de televisão onde vejo esta notícia há quase só mulheres. Os homens estão muito atarefados para este tipo de empreendedorismo. Contudo, há um homem que quer fazer parte desta cooperativa. Ele diz que ouviu falar daquelas mulheres e daquela cooperativa e que gostaria de comprar um animal para (sobre)viver. Elas levantam-se da cadeira, fincada sobre o pó da terra batida, ao lado da árvore que lhes ampara o sol e os pensamentos, e explicam-lhes as condições. No final, dizem-lhe que aquela caixa de madeira guarda também um pote de barro onde aqueles que violem o pacto colocam as notas da punição. No Norte da Nigéria, em Kano, a segunda maior cidade do país, a emancipação feminina começa numa caixa de madeira.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A contemporaneidade da aldeia da roupa branca


Em frente ao Museu de Arte Moderna e Contemporânea (MAMCS) de Estrasburgo, há uma senhora que estende roupa na varanda; e toda a contemporaneidade parece residir na aldeia da roupa branca na varanda da senhora que vive em frente ao MAMCS de Estrasburgo!