sábado, 31 de dezembro de 2011

Occupy Christmas inside of you


In the end of this year, and with the new year already blinking, I think that it would be important for us to occupy that Christmas that exists in each and everyone of us and make it last. Occupy means mostly to be responsible for, and by changing ourselves we change the world, and the world’s Christmases!



Post-Scriptum I: As you might have noticed, we started occupying Christmas with Elodie’s butterfly, the eyes of an unknown painter, and my unsettled handwriting.

Post-Scriptum II: Painting done in Zona Velha do Funchal, at the early hours of the 31st December 2011.



Conversas que mudam de cor


Andava há já uns tempos à procura de uma carteirinha de cabedal para pôr trocos como a que o meu avô Ferreira usava; dentro, havia moedas da obra de vimes e de outros cantos da vida. O cabedal, como a vida, ia mudando de cor conforme o uso.

Há dias, no Largo da Restauração, no Funchal, (re)encontrei o senhor que trabalha com cabedal e que tinha as - infelizmente já caídos em desuso - carteiras. “Os chineses vendem estas carteiras, em plástico, a €2 e €3 e as pessoas compram. Os taxistas já não as usam”. O que ele não sabia é que eu tinha perguntado a um taxista amigo da botânica e das línguas, em suma, curioso da vida, onde poderia encontrar estas carteirinhas. Quando a encontrei, fiquei contente; foi como dar um abraço ao meu avô. Da próxima vez que transportar troco, fá-lo-ei na minha carteira de cabedal da Madeira, enquanto a cor da vida vai mudando.

O Largo da Restauração leva o nome de todo um percurso histórico, que, em 2012, não será lembrado com um feriado mas eu nunca me esquecerei que o Largo da Restauração restaurou-me o gosto de guardar trocos nas carteiras de cabedal do meu avô.




quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Cores da Madeira II - Montanha Laranja

Na Madeira, no Lugar de Baixo, há uma montanha laranja; temos é que estar atentos porque ela só aparece ao pôr-do-sol.


Quando temos um arraial por dentro e bebemos laranjada é como se provássemos o pôr-do-sol do Lugar de Baixo; e sabe bem... 

Cores da Madeira I - Verde e Castanho

Andava pela levada e encontrei uma seta para o verde; tínhamos era que passar pelo castanho para lá chegar.


Portas I




Porta de uma casa nos "Salgados", Camacha, Ilha da Madeira; fotografia tirada depois de um almoço de família, a 27 de Dezembro de 2011. Nota: dos Salgados vêem-se as desertas e o mar (Ó mar dos Salgados; quantas das tuas portas são abraços de Portugal?)

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Vejo o Natal


Ontem, do avião, vi o sol atlântico, que me escapava há já uns meses; o atlântico, esse horizonte desnivelado que leva e traz.

O menino que se sentava por detrás de mim, dizia, ao ver as primeiras luzes da Madeira: “vejo a cidade”; o menino dentro de mim pensava: vejo o Natal.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O mar africano de Estrasburgo

Dia em que Cesária Évora levanta âncora

Sabia que em Estrasburgo havia canais, ilhas (ou penínsulas), comportas, barcos, um dos grandes rios europeus, o Reno, mas não sabia que havia mar. Descobri-o, há dias, ao percorrer o Outono nesta mesma cidade e ao ver esta árvore no Parc de l’Orangerie. Via a voluptuosidade do amarelo a penetrar o verde vivo da relva e a revelar um mar azul, bem azul como aquele que Cesária Évora nos bordou por dentro. Agora que sei que há mar em Estrasburgo, iço, ufano, a vela árabe do meu barco e rumo vento acima e vento abaixo até chegar ao porto prometido da humanidade, a ponte entre mim e o outro; assim, tenho a certeza que navegando, pontifico.





segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

The morn(a)ing star of Václav Havel

Yesterday, when I was biking home, Elodie told me that there was a star in the tower of St. Maurice’s church. What no one knew was that the star was put there to honour Vaclav Havel. I swear that when passing next to it, it was like hearing a morna.



Post-Scriptum: sent by a friend - images of how Czech people pay tribute to Václav Havel http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wiFZbbd438g

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O silêncio das palavras

Acabo este jejum de palavras de há já alguns dias com um silêncio; ontem, participei do meu primeiro círculo do silêncio: a cada último dia do mês – entre o silêncio de um mês que acaba e do furor de um mês que começa – há um grupo de pessoas representando um largo espectro de considerações religiosas, filosóficas – que se unem, na Praça Kléber, em círculo, por uma causa. A Praça Kléber fica numa “quase-ilha”, numa península, e é também simbólico que um círculo com um lampião no meio se faça com pontes de palavras em silêncio.

Neste 30 de Novembro, a causa era os imigrantes em situação irregular, ao não dito da violência das expulsões de cidadãos estrangeiros (mas cidadãos), muitas vezes, em situações desumanas. No círculo, havia pessoas em cujas costas aladas assentavam pósteres que também os faziam voar, lá longe: “sem papéis mas não sem direitos”, lia-se nalguns. Dentre os presentes, reconheci Simone Fluhr, uma das organizadoras dos círculos e a militante dos direitos humanos que esteve na origem da criação da Associação Casas, que presta auxílio aos requerentes de asilo. Acabo de ler no sítio electrónico da Associação que a grande maioria dos requerentes de asilo que chegam a Estrasburgo não sabem falar francês; há um silêncio imposto, um silêncio que transborda de estórias e que a Associação as dá a conhecer para os proteger.

Neste círculo, as pessoas-feitas-cidadãos mostram que ninguém as cala; e, por isso, em pleno séc. XXI de twitters, facebooks, youtubes e quejandos oferecem, simplesmente, o seu silêncio. Imolam as palavras como quem foi deprivado do seu carrinho de vender legumes e já não tem mais nada a não ser o seu silêncio.

Este círculo fazia-se a poucos passos do pinheiro de Natal que se diz ter sido o primeiro.

Quebro o jejum com este silêncio ao ouvir a esposa de Xanana, a sua primeira dama, a dizer que o enamoramento começou através de cartas que escreviam um ao outro enquanto Xanana estava na cadeia; que força maior haverá do que o silêncio das palavras?

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

António e o meu novo nome

Relembrei-me que António Zambujo[1] ia tocar no bairro do Neuhof, no dia em que fui ao consulado português para incorporar, no meu nome, o meu novo projecto de vida; e o meu novo apelido aconchegou-se entre os apelidos dos meus dois avós. Quanto ao António, viria a ouvi-lo alguns dias mais tarde no bairro dito problemático e donde vem, por exemplo, Abd al Malik[2] (que escreveu o livro “La guerre des banlieues n’aura pas lieu”[3]). António parecia saber da importância do bairro e vestiu fato escuro e gravata da moda para o saudar.
Ao entrar na sala de madeira, vi um contrabaixo estendido no chão e pareceu-me, logo à partida, um bom sinal. Havia um trio, uma outra “troika”, que dava o mote: um fadista com a sua guitarra, um tocador de guitarra portuguesa e um contrabaixista. Um contrabaixo é algo de inusitado no fado e, contudo, fazia todo o sentido; como fazia também o saxofone alto e o clarinete que espreitavam as canções, aveludando-as quando necessário.

No final do concerto, pensei que António Zambujo tinha conseguido devolver o sorriso do sul, do sul que merece o sorriso, ao fado. O concerto começou com um foco de luz – e que bonito o desenho de luz, uma composição musical em si mesmo – sobre o António a afinar a guitarra e a dizer que a primeira música seria experimental; e experimental foi todo o concerto.  

António, conhecedor como é do fado, convidou Jon Luz, o cabo-verdiano que toca cavaquinho, e deleitou-nos com uma morna que era fado com raminhos de bossa nova; e a morna nova inundava aquela sala escura, cuja luz nos abraçava.

António cantou “Queria ser teu namorado,/Morar dentro dos teus olhos” e eu só me lembrava do meu novo nome que mora dentro de mim; ao contrário do que a letra da canção rezava, eu não queria abrandar a dança nem descansar até ao fim.


[2] http://www.abdalmalik.fr/ ; v. entrevista a Abd al Malik aqui: http://www.strastv.com/catalogue/Watch/abd-al-malik-au-neuhof.html

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

“O risco maior é manter o silêncio”


“O risco maior é manter o silêncio”[1]

José Rodrigues dos Santos, numa entrevista, hoje, ao Telejornal das 20h, no canal 1 da RTP, ao Primeiro-Ministro Português sobre a sua visita a Angola não lhe fez uma única pergunta relacionada com a falta de legitimidade democrática do regime angolano e da maneira como o Primeiro-Ministro Português parece querer alavancar um renascimento da economia portuguesa na “economia do saque”[2] angolano.  Sobre estas e outras estórias de Angola recomendo a entrevista ao jornalista angolano Rafael Marques por Mário Crespo: http://www.youtube.com/watch?v=f8ElN-pBC2k . Rafael Marques refere, dentre outras coisas, que “Portugal tornou-se uma lavandaria para o produto de saque feito em Angola”.

Hoje, assisti a uma cena de uma tristeza imensa, aquando da entrevista de José Rodrigues dos Santos a Passos Coelho, onde o silêncio do jornalista sobre estas questões fundamentais era lancinante. Infelizmente, este tratamento subserviente a um regime angolano que não respeita o seu povo tem sido transversal aos diferentes governos portugueses no poder. Um Estado que se conduz assim já morreu mesmo que ainda subsista financeiramente. Agora há que reinventá-lo.

A dado momento da entrevista a Rafael Marques, fala-se de uma possível sucessão de José Eduardo dos Santos pelo Presidente da Sonangol, Manuel Vicente. Rafael Marques declina qualquer possibilidade de mudança de regime com esta possível transição e, para quem ainda tenha dúvidas, recomendo a leitura do seguinte artigo[3] que refere que Manuel Vicente é também o Presidente de uma “joint venture” chamada China Sonangol, a quem cabe, desde 2005, a exportação do petróleo de Angola para a China, i.e., o Presidente da única empresa pública angolana que tem “o poder e o direito de autorizar o exercício de actividades de exploração e produção de hidrocarbonetos em território Angolano, quer em terra quer em alto-mar”[4] é também o Presidente de uma entidade de direito privado que medeia o negócio de compra e venda de quase todo o petróleo de Angola à China, que, alegadamente, compra com valores de 2005 e vende a valores de mercado com um valor estimado em cerca de US$ 20 mil milhões, apenas o ano passado[5].

O que é ainda mais grave é que não é só o dinheiro que não chega à população de Angola mas são as alegações de que este dinheiro destina-se também a favorecer certos homens políticos e, por conseguinte, a alimentar conflitos como os da Guiné Conacri, onde, em Setembro de 2009, homens ligados ao Governo estiveram por detrás de violações em massa e da morte de 150 manifestantes num estádio[6]; um mês depois de tal evento a referida “joint venture” transfere para a pecuniariamente moribunda junta, devido a sanções da UE e da União Africana, um montante de US$ 100 milhões a troco de um negócio com minério.

É este o dinheiro que queremos a salvar Portugal? Ou será tempo de nos descolonizarmos?


[1] Frase proferida por Rafael Marques na citada entrevista ao jornalista Mário Crespo.
[2] Ibidem
[3] http://www.economist.com/node/21525847 consultado a 18 de Novembro de 2011 às 00:20.
[5] v. nota de rodapé 3.
[6] Ibidem

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Futebol: um jogo de gente grande?

O Qatar é o país onde decorrerá o Campeonato do Mundo de Futebol em 2022. Representantes da “International Trade Union Confederation (ITUC)”[1] chamam a atenção para o impacto negativo que esta decisão poderá ter nos trabalhadores - num país onde a grande maioria dos trabalhadores são imigrantes - se os seus direitos continuarem a não ser respeitados[2]. Sharan Burrow, a Secretária Geral da ITUC apelida as condições que os trabalhadores migrantes no Qatar enfrentam de uma “existência miserável”. Sharan reunir-se-á em breve com representantes da FIFA e dos adeptos de futebol para discutir a selecção do Qatar para a organização de tal evento; a ITUC propugna que a realização de tal evento seja condicionada ao respeito, pelas autoridades do Qatar, das condições de trabalho exigidas pela Organização Internacional do Trabalho; caso contrário, a ITUC promoverá uma campanha internacional contra a realização do campeonato do mundo de futebol no Qatar. O que dirá a FIFA? Talvez ainda mais importante: o que dirão os adeptos de futebol? Haverá lugar a Primaveras no futebol?

A relatora especial da ONU para o direito à habitação condigna, a brasileira Raquel Rolnik, apelida a FIFA de organização internacional desprovida de muito pouco respeito a qualquer tipo de consideração ou direito e uma estrutura extremamente corrupta. Ela pede que a organização do Campeonato do Mundo de Futebol de 2014 no Rio de Janeiro seja usada para “crescer [n]os direitos de cidadania” e isso seria também necessário para tornar o Brasil [um país de] "gente grande”[3]. A mim, parece-me que isso seria também necessário para tornar a FIFA uma organização de gente grande.
Há dias, o jogo de Portugal contra a Bósnia deixou-me um travo agridoce na boca. Apesar de alertado para não o fazer, um grande número de adeptos portugueses assobiou durante o hino da Bósnia – o mesmo hino que tem vindo a provocar celeuma visto a sua letra não mencionar nem as duas entidades federais nem todas as etnias que habitam a Federação da Bósnia Herzegovina e que finaliza a sua letra com “we are going into the future together”[4]. Seguramente, quem assobia perante um hino doutro país não está preparado para desbravar um futuro acompanhado por outros. O futebol será certamente um jogo de gente grande mas é preciso prová-lo.


[2] Actualmente há salários medíocres, condições de trabalho que não estão de acordo com as mais básicas normas de segurança e locais de trabalho que são prisões a céu aberto pois os documentos dos trabalhadores imigrantes são, por vezes, confiscados.
[3] http://www.ituc-csi.org/raquel-rolnik-un-rapporteur-on.html?lang=en consultado a 17 de Novembro de 2011 a 12:12.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A cada um a sua Cruz

A “Jeune Afrique”[i] refere que o Arcebispo de Kinshasa questiona-se sobre como será possível eleger governantes que não nos dão garantias, dentre outras coisas, de amor ao povo. Foi precisamente isso que pensei, ontem, ao ouvir as declarações da Ministra Paula Teixeira da Cruz sobre os guardas prisionais - "guardas que, enquanto descansam, estão a receber" [horas extraordinárias][ii]. Como é possível servir o povo, sendo, por isso, seu ministro, sem respeitá-lo? Tenho para mim que a responsabilidade de um ministro (ou ministra) é esclarecer estas situações e propor soluções; ser parte da solução e não do problema.
Contudo, talvez não me devesse ter surpreendido pois, há pouco tempo, li que o último espécimen de Amor “não suportou a rigidez dos tempos em que vivemos” e sofreu uma paragem cardíaca fulminante[iii]. E o povo, pá?


segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Máscaras Venezianas I

Nós estivemos na Bienal. Sentimos que devíamos comer antes de filosofar e fomos à Trattoria. No restaurante, deixei cair três gotas de vinho ao servi-lo; as três gotas, como cachorros ainda sem os olhos abertos que procuram o calor do colo materno, pareciam caminhar em direcção à garrafa. E nós, não procuraríamos o mesmo de outra maneira?

domingo, 6 de novembro de 2011

Estranha forma de vida

 O primeiro pássaro no alcatrão levou-me do Funchal a Lisboa e chama-se "Amália Rodrigues".
O segundo pássaro no alcatrão foi visto desde a janela da nossa cozinha, na manhã seguinte ao meu regresso a Estrasburgo. Não sei o seu nome.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Os escritórios não protegidos da rua

Dedicado a todos aqueles que, corajosamente, fazem da rua o seu poiso

O senhor do raspa[1], o Benjamim, foi encontrado morto[2]. O senhor do raspa era o senhor que, durante anos e anos, instalou o seu escritório – leia-se o seu banco e a sua mesinha – na rua de João Tavira. O chão do seu escritório era de calçada portuguesa e as paredes eram invisíveis como os muros da sociedade em que vivemos; a porta, essa, estava sempre aberta. Os raspas estavam alinhados numa ordem desconhecida. A seu lado, normalmente, havia uma companhia feminina – ao ler a notícia sobre a sua morte, descubro que era a sua mãe. Eram pessoas que conheciam o escritório não protegido da rua.

Lembrei-me que conheço outras pessoas que também povoam escritórios não protegidos da rua e quis relembrá-los aqui. A senhora da marcela da rua Fernão Ornelas e, aos sábados, do mercado. Há dias, ouvia-a na televisão a dizer que o marido planta marcela e ela vende-a para arredondar os finais de mês. Pareceu-me bonito este fordismo sentimental.


Lembro-me também das senhoras da casa de bordados da mesma rua Fernão Ornelas que vão gastando a vista e as costas no início da escadaria que eu nunca subi e do senhor da rua da Boa Viagem que vende meias e ideias. Não me esqueço também do acordeonista cego que toca e canta na ponte do Bazar do Povo; já há muito tempo que não o ouço porque ver, como ele, vejo-o sempre mesmo que ele lá não esteja. A estes e a muitos outros, quando puder, voltarei a bater à porta in-existente do vosso escritório. O artigo já mencionado dizia que Benjamim vendia sonhos; e, agora, quem os venderá?

Nota Bene: Não me sai da cabeça a colocação de uma lápide, onde Benjamim vendia os raspas, com os dizeres: aqui vendeu Benjamim, com sua mãe, sonhos.


[1] O raspa é conhecido, em Portugal Continental, como raspadinha.
[2] v. http://www.dnoticias.pt/impressa/diario/289745/casos-do-dia/289859-vendedor-de-raspas-encontrado-morto (só para assinantes).

O concerto silencioso (da vida) no comboio para Basileia

Ontem, na cadeira do outro lado do corredor do comboio para Basileia, havia um senhor cujas mãos esvoaçavam, em frente a uma partitura. Pareceu-me um músico - será um maestro? –que devia tocar - ou dirigir – (n)a Orquestra de Basileia. Que bonito era aquele concerto silencioso. Os gestos pareciam-me, às vezes, de violino e, às vezes, de violoncelo; eram gestos loquazes, delicados mas precisos; gestos que demonstram carácter, certamente. No silêncio do comboio, retirei os auscultadores do meu leitor de música para poder escutar este concerto in-audível. Eu saí em Offenburg, a "cidade aberta" para o meu concerto silencioso da vida.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Figuras de Domingo no (meu) Mundo

Neste Domingo, vi uma senhora com borboletas gigantes, um senhor com asas - a ser explorado por uma aranha - e uma menina que eu jurava ser do Taiti mas que devia ser da Camacha, acabadinha de sair de um quadro do Gauguin. Será da mudança da hora?

A insustentável leveza dos kiwis da Camacha e dos pêros de simpatia

No sábado, como em muitos outros sábados, fui ao mercado. Já não vou ao primeiro andar do mercado porque não quero fazer prova para turista. Encontrei, com as caixinhas de madeira que para lá costuma levar, um senhor que conhece o meu pai. O senhor, como o meu avô e o Leonard Cohen, usa chapéu de feltro. Comprei um chapéu – que sobreviveu ao temporal de 20 de Fevereiro – seguindo a recomendação do senhor que conhece o meu pai. Ele aperta a mão com firmeza e move-se como ponta-de-lança quando precisa de dar troco; e dá muito troco quem tem preços como os dele. Ele vendia kiwis da Camacha e pêros de simpatia. A simpatia do senhor que conhece o meu pai e usa chapéu como o meu avô é muito mais pesada do que os kiwis da Camacha e os pêros de simpatia que me vendeu.

sábado, 29 de outubro de 2011

Os amigos, o tango e o bandoneón

Hoje, vi uma árvore com muitos braços e que distribuia abraços! Não poderia ser outro o prenúncio de um dia que me traria a companhia de um velho amigo e que me daria dois novos amigos e outros tantos abraços! Os amigos aparecem como o bandoneón para o tango: poderíamos pensar um sem o outro?

Até amanhã, no Mercado!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Andrea com acento

Há que saber, primeiro, que ela não se chama Andrea mas Andréa, Andrea com acento; ela lembra-nos já no nome que a língua portuguesa não é insonsa; tem acentos, muda de ritmo e timbre; enxuga e, às vezes, estuga-nos o passo. Talvez melhor ainda do que a sua escrita - Andréa acaba de ganhar o Prémio Saramago 2011 - é o seu sorriso; sorriso que derreteria toda aquela neve que, nesse mesmo dia, se abatera sobre a Serra da Estrela. O mote do doclisboa que agora decorre é “em Outubro, o mundo inteiro cabe em Lisboa”. De alguma maneira, pareceu-me que a língua portuguesa cabia toda no sorriso - todo ele já parte da escrita - da Andréa.

“Os Malaquias [o título do romance premiado] trouxeram-me para a Pátria Mãe da Língua [Portugal]” dizia a Andréa del Fuego à jornalista. Andréa Fátima dos Santos, a pessoa por detrás da escritora, está grávida – Andréa del Fuego está grávida em permanência. As duas – Andréa Fátima dos Santos e Andréa del Fuego - tinham pensado em Francisco como nome do menino-por-vir; Pilar del Rio disse-lhe que José talvez não ficasse mal; agora, há uma grande probabilidade do menino chamar-se Francisco José (o arquiduque literário).

Hoje, leio que Nicinha, irmã mais velha de Caetano Veloso e Maria Bethânia perecera, estando há já algum tempo internada no hospital português. O hospital português levou parte do que a maternidade da língua portuguesa trouxe.
  

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A estrada antiga e a "Flamboyant" do Congo

Quando vou ao Funchal, quero ir na estrada antiga e, já quase na Boa Nova, ver o que me lembra a "Flamboyant" (árvore) do Congo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Mundo Azul sem fronteiras na mão do Menino Jesus ou o Futuro Presépio

Os Reis Magos[1], onde fui a banhos, ontem, trazem consigo o nome dos mesmos Reis Magos que vi no tecto da Igreja da Nossa Senhora da Luz, que não por acaso, certamente, se situa na Ponta do Sol. Quem vir os pôres-do-sol na Ponta do Sol, o sol a entrar lânguida e sabiamente naquele mar infinito, sentir-lhes-á, seguramente, a falta.
Na Madeira, quando se tomam banhos de mar, diz-se precisamente, “vou ao mar”; não se diz vou ao Oceano Atlântico; provavelmente porque o mar aproxima o que o oceano parece querer deixar distante.
Nos chãos dos Jardins da Quinta das Cruzes, de pedra rolada, havia flores e sementes – as sementes que, no Centro da Europa já estão secas, na Madeira, ainda estão verdes.
A mesma pedra rolada cobre o adro da Igreja da Nossa Senhora da Luz. No concerto de ontem à noite, onde não estive só: fui com a minha mãe, a minha tia e havia também uma flauta de bisel – que, como disse o titular do órgão da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, é por muitos associada a um instrumento de iniciação musical mas que teve um papel preponderante no século XVII - um órgão de tubos do século XVII e uma viola da gamba. Pensava que ia deixar-me embalar pela leveza dos madrigais, o que também me aconteceu, mas deixei-me, sim, embarcar na leveza do tecto hispano-árabe da capela-mor, e que bonito que ele é, pelos azulejos e pela estatuária exposta numa vitrine: vi a Nossa Senhora do Patrocínio, em cuja honra foi apelidada uma das capelas, reconheci um Menino Jesus pronto a fazer parte de um futuro presépio de escadinha (um presépio tradicional madeirense com fruta, frutos secos e amor viçoso) e um outro Menino Jesus segurando, na mão, um globo azul sem fronteiras delineadas; é precisamente neste mundo azul, e onde tomei, ontem, banhos de mar, em que acredito.
Post-scriptum I: Não será por acaso que me chamo MARco.
Post-Sciptum II: Como é impossível falar-se de presépio sem sentir o Natal, deixo aqui uns versos de Francisco Gomes da Silva, que abrem a sua viagem literária na “Baía da Saudade”: “Lindas manhãs de Dezembro, Chega a quadra do natal; Todos os dias me lembro, Dessa festa no Funchal. Há pregões por todo o lado, logo pelas manhãzinhas; Os vilhões e camacheiras, (…)”. Quando cheguei a casa, este livro esperava por mim na minha mesa de cabeceira, onde, agora, é Natal. Agradeço a quem lá o deixou.


[1] Os Reis Magos são (também) uma praia sita no Caniço, concelho de Santa Cruz, Ilha da Madeira.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Praia da Árvore

Costumo abrir o pórtico dos meus dias com o noticiário da rádio, em português. Hoje, apanhou-me de surpresa a notícia que as buscas de um senhor que desapareceu enquanto fazia parapente reiniciaram-se na Praia da Árvore. Durante o fim-de-semana, tinha-me sido dado a conhecer (apesar do que a gramática possa indicar, não há certamente apenas uma passividade no conhecimento) a poetisa colombiana Graciela Rincón Martínez. Graciela viaja pelo mundo - talvez para combater os “rincones”, o seu nome do meio e os cantos existentes no mundo, onde se deixa de ver o outro – fazendo o que se poderia literalmente apelidar de árvore genealógica, falando com as árvores que a habitam mesmo que as veja pela primeira vez nos jardins por onde passa (o título da edição especial que me foi apresentada é “L’arbre qui m’habite/El árbol que me habita”). Graciela vê amigos onde outros vêm raízes e abraça velhos conhecidos onde outros apenas vêm árvores. Graciela nunca se sente só nas suas viagens porque tem as árvores que encontra pelo caminho e as árvores têm-na a si.
Graciela provavelmente não saberá da existência da Praia da Árvore, em território continental português; quanto a mim, espero que o golpe d’asa do senhor des-aparecido e as raízes da Gabriela se encontrem brevemente. Como dizia a Debora Noal (v. post de 29 de Setembro) “as minhas raízes são aéreas”.

sábado, 8 de outubro de 2011

A "Esplanade du Trocadero", a senhora Maria e a ausência de onda curta

Na "Esplanade du Trocadero", sentimo-nos donos do mundo mesmo sabendo que o mundo não é propriedade de ninguém, ao contrário do que muitos (especuladores) possam pensar.
Na "Esplanade du Trocadero", há artistas de rua, prestidigitadores, turistas, muitos, casais de namorados que vêm confirmar o seu carinho em frente da “Tour Eiffel”. Nos dias claros, sem névoa na imaginação, ainda conseguimos entrever as restantes construções da Exposição Universal de 1889. Gosto da "Esplanade du Trocadero" enquanto espaço público, inalienável, inapropriável, aberto a todos.

Gosto também do espaço público hertziano proporcionado pela onda curta. Há dias, lembrei-me da senhora com o lenço na cabeça (não, não são apenas algumas senhoras muçulmanas que o usam) com quem me cruzava na lavandaria – literalmente - da esquina, em Asnières, uma cidadezinha a Norte de Paris, onde as ruas têm nomes de filósofos. A senhora Maria, nome fictício pois nunca lhe perguntei o seu, em breve, deixará de poder escutar a RDP Internacional, em onda curta, pois o serviço será descontinuado. Tenho a certeza que nunca perguntaram à senhora Maria o que acha desta descontinuação; quanto a mim, não me parece que as requeridas poupanças se devam fazer à custa de quem frequenta as lavandarias – literalmente - de esquina. Com esta decisão, à senhora Maria ser-lhe-á muito provavelmente negado o espaço público português que chega aos locais mais recônditos ou àqueles que, sem ele, provavelmente, serão abrangidos pela infoexclusão mormente no que diz respeito ao seu país.

E sabemos o quão triste e pesado é não ter notícias do seu país e parece-me da mais pura justiça (e que bonita expressão) que a senhora Maria continue a ter notícias do seu (e do meu) país.

S(er)ão rosas, senhor, s(er)ão rosas?

Hoje, levantei-me muito cedo, sem despertador. Como não sabia muito bem o que fazer, fui fazer o que se faz em França quando não se sabe o que fazer: fui comprar pão, uma “banette”.

As banettes (e as baguettes) levam-se como se levam flores, de pé, à altura quase da vista. Penso que não será por acaso que a Rainha Santa Isabel tenha dito “São rosas, senhor, são rosas” quando, na verdade, carregava o pão (que deveria ser) nosso (de cada dia).

Passei pelo mercado da Boulevard de Marne, onde se vende desde a menta fresca – com sotaque do Maghreb – até à galinha de criação caseira da Alsácia. “São rosas, senhor, são rosas”.

Contudo, não vos disse toda a verdade e nem toda a gente, em França, quando não sabe o que fazer vai comprar pão. Quero, contudo, acreditar que em tempos de crise social, política, económica e financeira as Rainhas Santa Isabéis serão como as bruxas na Galiza. Serão rosas, senhor, serão rosas?

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Aos amigos que conheço e aos que ainda não conheci

Há dias, fiz uma amiga; o que poderá parecer estranho nesta relação de amizade é que nunca me encontrei com esta amiga e ela não sabe quem sou. Ela chama-se Debora Noal e foi-me apresentada pela Eliane, que me chegou via um link-pozinho-mágico-de-fazer-amigos[i] enviado por uma amiga (quem mais?) que já não via há muito tempo. A páginas tantas da entrevista, a jornalista Eliane diz da Debora “E, quando abraça as pessoas, abraça. Dá vontade de se tornar amiga dela pelo resto da vida”. E tornei-me. Eu conheço esse abraço-revelador que confirma esse laço de sangue que não existe; quem nunca experimentou esse gesto? Um abraço seria porventura a negação do braço (a-braço) porque o braço já não é nosso; só existe nessa união, entre nós e o(a) amigo(a), nesse abraço.
Pensei na Debora quando reatei o contacto com uma amiga com quem já não falava há mais de quatro anos; contudo, o que há de bom nas relações com os amigos é que o tempo se suspende quando não estamos com eles e, quando reaparecem, o tempo reata como se um hiato de quatro anos fosse uma pequena pausa de café.

A Debora, a minha amiga que me deu a conhecer a Debora, os amigos com quem tenho reatado o abraço suspenso e todos os amigos que conheço e os que ainda não conheço (co)movem-me e, como dizia o Manuel Zimbro, "o que nos sustenta move-nos - e dê lá por onde der".

Aviso à navegação: não percam a entrevista da Debora feita pela Eliane nem o artigo “amigos para sempre” do Miguel Esteves Cardoso, que me foi também enviado por um amigo. Não resisto a deixar aqui uma pequena citação deste último artigo: “O tempo não passa pela amizade. Mas a amizade passa pelo tempo. (…) Somos amigos para sempre mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai uma distância tão grande como a vida”.



terça-feira, 27 de setembro de 2011

A harpa e a empatia pela harpa

Sento-me no parque que tem o nome do laranjal que outrora aí existia (Parc de l’Orangerie), em Estrasburgo. Perto de mim, há um senhor que fala sozinho; ele está descalço como o harpista do concerto de Domingo. Fomos a um concerto no decorrer do festival “Musica” e, no intervalo, um senhor de blazer aos quadrados subiu ao palco e pôs-se a tocar harpa; abraçava a harpa com afeição e tocava-a com estima, o que já vai escasseando, mesmo entre humanos. Imaginei-o na sua sala alcatifada e em cores outonais a observar a sua harpa, que lhe retribuía o olhar compenetrado. Na segunda parte do espectáculo, o senhor já vestido com a “farda” de músico (afinal, às vezes, o hábito parece ajudar a fazer o monge) tocava, descalço, a harpa. Lembro-me de, há muitos anos, ter ido a um concerto dirigido pelo maestro Vitorino de Almeida no Teatro Municipal do Funchal (de seu nome Baltazar Dias, homem das letras cego). Vitorino de Almeida gracejou porque tiveram que trazer a harpa com que tocavam de Portugal Continental porque, na altura, a Madeira não tinha uma harpa. Nessa altura ser-me-ia difícil imaginar que o arquipélago da Madeira teria várias cidades, túneis a esventrar as distâncias e uma dívida de uma ordem que é difícil de imaginar, quanto mais pronunciar. Hoje, temos harpa e tudo o mais. Teremos também a empatia do senhor do blazer aos quadrados pela sua harpa?

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Em busca da Primavera Árabe

Hoje, procurei a Primavera (não a das Flores mas a) Árabe na Livraria Kléber, em Estrasburgo. Esta foi a conversa que se seguiu:
Eu: "Procuro a Primavera Tunisina mas não a encontro; têm-na cá?".
Livreira:"Isso é sobre a Primavera Árabe, não é?".
Eu: "É!".
Livreira:"Então procure no segundo andar".
(Como é que eu poderia ter pensado que uma revolução estaria no rés-do-chão, ali à mão de semear?).
Já no segundo andar o livreiro diz-me que a primavera tunisina está esgotada e pergunta-me se eu a quero encomendar. Penso cá para mim que gostaria de encomendar a Primavera Tunisina, a das Flores - no arquipélago donde sou natural, a Madeira - uma mudança de regime e um sistema societário mais justo (não só mas também no arquipélago donde venho); contudo, acabo por dizer ao livreiro "non, merci".
(Aviso à navegação: esta conversa teve lugar quando entrei na referida livraria à procura do livro de Abdelwahab Meddeb, "Printemps de Tunis"; o título é também digno de registo porque não fala de uma Primavera Tunisina mas de uma Primavera da capital, Tunes).