domingo, 31 de março de 2013

O chapéu da rapariga com sapatos de rapaz


Hoje, vi através desse ecrã por onde nos entra o mundo pela sala de jantar, uma rapariga com sapatos de rapaz a tirar o chapéu quando cumprimentava alguém que respeitava. Confesso que gostei de ver que, ainda hoje, há pessoas às quais se é de lhes tirar o chapéu.

Não consegui deixar de lembrar-me daquela imagem do bengaleiro, à entrada do Conselho de Ministros, quando o Presidente do Conselho era Salazar, onde os chapéus dos diferentes Ministros repousavam. O chapéu da rapariga com sapatos de rapaz até poderia ter algo que ver, em textura e materiais, com estes outros chapéus de Ministro mas o que certamente os diferenciava era o que tais chapéus traziam por dentro.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Edifícios de onde sai música


Hoje, conheci a Nini. Nini escrito ao contrário significa “in, in”, alguém aberto aos outros porque ninguém pode viver isolado, todos vivemos “entre milagres”. Nini tem cabelo curto, olhos de Primavera e estuda desenho gráfico industrial. Nini guiou-me, primeiro, à biblioteca da Academia de Artes de Tbilisi, um bonito edifício Art Déco, ligado por corredores e escadas que descem e sobem, a um outro edifício. Passámos por uma varanda de madeira – e que bonitos trabalhos de madeira há, em Tbilisi… - que range quando passamos por ela, bem como rangem os nossos olhos quando vemos a bonita árvore em flor que se encontra no pátio da Academia. Havia uma demonstração de artesanato turco, desde filigrana até à bonita pintura oriental. Quando procurava o edifício, passei por um outro donde saia música como saiam flores dos seios da avó da pequena Marjane Satrapi, em “Persépolis”, quando ela se despia. Será que nos portaríamos melhor como humanidade se de todos os edifícios saísse música? De que estamos então à espera? Aos bandolins, companheiros!

terça-feira, 19 de março de 2013

O quilo de laranjas da Geórgia


Hoje, estive num café-restaurante, em Tbilisi, onde via a “beautiful people” passar e sentar-se para um café que custava o mesmo que uma refeição num outro. As grandes janelas que deixavam entrar toda aquela luz, mediterrânica, que também banhava as cerejeiras e outras árvores em flor de Tbilisi.

De repente, uma senhora de cabelos brancos e sacola colorida apareceu à porta; não entrou porque não fazia parte daquele círculo; numa mão, uma laranja luzidia e com os três dedos que restavam indicava o preço. Por momentos, não lhe vi a face mas toda aquela luz que entrava por aquelas amplas janelas, desenhava-lhe, ainda mais, uma cara mais sorridente ainda que invisível.

Eu, no espaço de dentro, dos incluídos, dos que puderam abrir a porta assisti àquele espectáculo e só me apetecia era comprar aquele quilo de laranjas.

Por dentro, no espaço de livros, que era também este café e restaurante não havia estória tão bonita como a daquela senhora de cabelos neutros, à espera de serem esticados e cerzidos numa história, a história do quilo de laranjas que ficou por contar.

Mais tarde, no passeio largo de uma avenida larga, vejo uma senhora, já de idade, com um capote, que me lembra Gogol, a dobrar toda a espinha para chegar ao chão e levantar uma moeda que de pouco valeria. Quantas moedas de 1, 2, 5, 10 cêntimos de euro ficaram por juntar nos passeios (largos ou estreitos) da União Europeia?

domingo, 17 de março de 2013

Em Tbilisi

O que eu sei é que quando cheguei ao aeroporto de Tbilisi, já cansado, vi aquela rapariga a correr, (es)voa(ça)ndo por entre barras e cores, olhos desconhecidos e cascóis de seda (ou não) para abraçar a família. Quem abraça assim não é gago certamente e um abraço fala assim.
 
Hoje à noite, em Tbilisi, há um casal que não dorme porque arrendou o espaço de uma pequena pensão para subarrendar os 4 quartos e não tem dinheiro suficiente para empregar mais alguém. A recepção da pensão, por definição, deve funcionar 24 horas por dia e o casal, por definição, também.
 
 

segunda-feira, 4 de março de 2013

Uma estrela (de Carnaval)

Ao lado de uma estrela escarlate, ha, por vezes, uma bolha imaginaria presa a um ramo de uma arvore de Natal que se travestiu para o Carnaval.

P.S.: por vezes, a vontade de comunicar e mais importante que os acentos.

 

"Lá fora, amô, nosso barco partiu"

Chico Buarque e Carminho cantavam isto numa ponte entre Portugal e Brasil, com todos os barcos, no fluxo e refluxo, que cabem pelo meio, e, com atenção, ainda se entreviam os índios, não de Caminha nem de Alencar mas de Machado de Assis, PortinariLaymert Garcia dos Santos, os da terra vermelha, vivos, verdadeiros, de carne e osso.

 
 

Deste lado das nuvens, onde (a) gente mora


Hoje, de manhã, com o chão da cozinha banhado pelo sol que lá entrava, ouvia Sinais. Falava das nuvens e da proximidade de voar e orar (a palavra orar, como voar, contêm já a palavra ar). Falava-se das nuvens e de quando se está acima das nuvens e, eu, que continuava com a cabeça acima delas, cortava em dois a maça com o desejo do batido que me abriria a manhã (uma manhã-maçã).

Mas, logo a seguir, caía das nuvens, ao ouvir que, em Espanha, se chegaria, pela primeira vez, aos cinco milhões de desempregados. Não sei se, lá, nas nuvens, há emprego (ou falta dele) – exceptuando, claro, os homens e mulheres que trabalham nas companhias de aviação, em missões espa(/e)ciais, e, evidentemente, no domínio das artes (haverá um domínio nas artes, ao lado do domínio das artes (?), talvez – mas, quanto a mim, gosto de estar com a cabeça nas nuvens mas com os pés fincados deste lado das nuvens: é aqui que (a) gente mora.