segunda-feira, 7 de julho de 2014

As viagens que nos acontecem por dentro (as verdadeiras)

Hoje, acordei entre viagens. De repente, tive consciência de mim diante do espelho. Acordei com o cabelo levantado como quando se faz uma viagem de moto sem capacete, com o vento a bater e a indicar-nos o caminho. Não sei por onde terei estado durante a noite e que caminhos terei percorrido. Alguns caminhos são imperscrutáveis, de qualquer das maneiras.
Ainda não tirei o lastro do fundo das malas e já começo a preparar a próxima viagem. “The rolling stone gathers no moss” (i.e. pedra que rola não cria limo), ensinou-me há muito tempo o meu professor de estórias.

Ao lado da cama, esperando por mim, estava um artigo do “Le Monde” sobre os deslocados internos do leste da Ucrânia; vinham do leste, donde nasce – “orior”- o sol. Na foto que acompanha o artigo viam-se mulheres, bebés e crianças. Por onde e como estariam os homens? Muita sorte para todos e para a paz!

domingo, 9 de março de 2014

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Elementos Inseparables


Ontem, vi o filme “Gloria” do chileno Sebastián Lelio; a certa altura, surge um poema; um poema que nos agarra pela mão e nos leva a passear à beira-mar (o poema era lido em Viña del Mar). Eu não conhecia o poema mas fui procurá-lo onde se procura tudo hoje em dia, no Google. Ao Google (e o corrector de texto do meu computador exige que Google seja escrito em letra maiúscula devido, certamente, à sua omnisciência) disse o que me lembrava do poema “si tu fueras mar, yo sería playa” e o Google disse-me que o poema era de Claudio Bertoni.

No poema, há palavras que nos marcam; “bufanda”: “prenda de vestir que consiste en una tira larga y ancha de lana, seda o piel que se lleva alrededor del cuello, a veces tapando la boca, como abrigo o adorno: en invierno, bufandas, pañuelos y guantes se convierten en elementos inseparables; a finales de los sesenta la bufanda era considerada una prenda de intelectuales”. Há definições onde cabe toda uma poesia de vida.

No filme, há também a lânguida música brasileira que nos embala; apetece-nos sair do filme e ir passar o serão em casa de amigos onde alguém toque e onde se cante bossa nova. Ainda haverá serões assim?  Ontem, houve.

Poema para una joven amiga que intento quitarse la vida

me gustaría ser un nido si fueras un pajarito

me gustaría ser una bufanda si fueras un cuello y tuvieras frío

si fueras música yo sería un oído

si fueras agua yo sería un vaso

si fueras luz yo sería un ojo

si fueras pie yo sería un calcetín

si fueras el mar yo sería una playa

y si fueras todavía el mar yo sería un pez

y nadaría por ti

y si fueras el mar yo sería sal

y si yo fuera sal

tú serías una lechuga

una palta o al menos un huevo frito

y si tú fueras un huevo frito

yo sería un pedazo de pan

y si yo fuera un pedazo de pan

tú serías mantequilla o mermelada

y si tú fueras mermelada

yo sería el durazno de la mermelada

y si yo fuera un durazno

tú serías un árbol

y si tú fueras un árbol

yo sería tu savia y correría

por tus brazos como sangre

y si yo fuera sangre

viviría en tu corazón.

(Claudio Bertoni)

Hoje, há soldados russos em pelo menos um dos aeroportos da Crimeia.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Quando tropeçamos na (in)visibilidade


Vinha de bicicleta a tentar escapar à chuva miudinha que teimava em não parar quando vi um senhor de sacos-(c)asa abrigado, à porta do “Palais Universitaire”. Quase não se dava por ele, apesar de estar sozinho num dos arcos que dá acesso ao pátio coberto de um dos edifícios da “Neustadt”, bairro construído quando os alemães ainda contavam ficar pela Alsácia (e não só) durante os tais 1000 anos. Há uma clarabóia enorme – na verdade, todo o telhado – que banha de claridade as colunas neo-clássicas e aquele chão de mármore. Nesse mesmo espaço ocorreu a aula inaugural da “Reichsuniversität” (a Universidade Ocupada de Estrasburgo, enquanto a Universidade Livre de Estrasburgo partia até Clermont-Ferrand) e também a sessão inaugural do Conselho da Europa, antes de haver o edifício que lhe é, hoje, destinado.

Voltemos ao senhor dos sacos-(c)asa que se abrigava em frente ao pórtico que havia visto passar comandantes e académicos nazis e pró-nazis, democratas que tentavam unir a Europa, estudantes que querem aceder ao saber dos livros e fora deles. O senhor dos sacos-(c)asa chamou-me ainda mais a atenção porque eu acabava de ver o documentário de Claus Drexel, “Au bord du monde”.

Talvez uma das coisas mais importantes que este documentário faz é dar um nome às pessoas (e aos rostos) que dormem na rua, em Paris: Wencelas, André, Michel, Pascal, Closte (?), Po Lingh, Christine… Quando se dá um nome a alguém, essa pessoa e esse rosto deixam de ser invisíveis; cresce-nos, por dentro e por fora, uma responsabilidade, talvez originada da empatia que aquele rosto (como diria Lévinas) e o seu nome nos impõem. Ao conhecido “ton visage m’oblige” talvez se possa acrescentar “ton (pré)nom m’oblige”. Deparamo-nos com várias tentativas de obnubilar, tornar invisíveis pessoas – cuja tentativa é que deixem de o ser – que “não interessam”. No Ruanda, os tutsis foram apelidados de “baratas”, os Judeus, nos campos de concentração, não tinham um nome, tinham um número e a esqualidez fazia com que todos se parecessem iguais, sem a individualidade que caracteriza o ser humano (mas individualidade não tem que rimar com individualismo).

As pessoas (sim, são-no) do documentário de Drexel são artistas de circo (funâmbulos) que caminham na corda bamba sem rede de segurança; contudo, nós, os espectadores, não os vemos. Caem e não há espanto; voltam a endireitar-se para voltar a caminhar e não há reacção do público (que nem se apercebe que não é público mas co-actor). A que distância deixamos o dever de nomear e, por conseguinte, o dever de dar a mão ao outro? Quando não há tacto não há contacto.

No documentário, havia também um senhor que, ao entrar no seu “squat”, por debaixo da ponte “Louis Philippe”, titubeou, atrapalhou-se com a sua canadiana e caiu. Não sei o que aconteceu depois. Ele chama-se Marco.