segunda-feira, 30 de julho de 2012

Lições de jardinagem sentimental


Quando se corta a relva, é preciso ter muita atenção para não cortar os dentes-de-leão que possa haver pelo jardim; ao cortar os dentes-de-leão incorremos no risco de matar os desejos que estão por vir (e está por vir muita coisa). Matreiros, os dentes-de-leão tentam proteger-se perto dos roseirais para que os espinhos da realidade protejam os sonhos dos desejos. O que separa a realidade do desejo poderá ser apenas o tempo do sopro que (a)guarda um dente-de-leão.

domingo, 29 de julho de 2012

Beijar o indizível


Ao fazer as malas, vão-se alinhavando memórias de viagens futuras. Ao empilhar papéis encontrei um “Le Monde” (“O [meu] Mundo”) de 12 de Julho deste ano. Na página 20, encimada pelo seguinte título “Manu Chao chante partout son amour de la rue”, escrevi, a azul, “Quando se beija alguém que não fala será que é como se beijássemos duas vezes?”. Lembrei-me que no recente artigo de Isabel Lucas sobre Amos Oz – que escreve ficção a azul e, a preto, artigos sobre política e intervenção cívica – dizia-se que “quando [Amos] escreve uma história, a azul, ela mexe com as forças mais básicas da existência humana”. Eu, quando escrevo algo a azul, co-movo-me.

Post-leitura: este bilhetinho foi escrito ouvindo em surdina Ute Lemper a cantar “Paris Days, Berlin nights”. 

segunda-feira, 16 de julho de 2012

C’est nous qui étions priviligiés





Esta foi uma das imagens que mais me marcou nas celebrações deste 14 de Julho; o fotógrafo polaco Alek Nowak tirou esta fotografia no dia 14 de Julho numa rua de Cracóvia. Não será a “liberdade guiando o povo” de Delacroix mas poderá ser a “liberdade abraçando o povo” mesmo que os braços dos abraços sejam imaginários (e não há realidade que resista à imaginação). Apesar de não termos visto, foram estes braços, os braços do povo que se casou com a rua nesse dia de pão (companheiro: aquele com quem compartilhamos o pão; cum, panis) e fraternidade que amparou o pára-quedista que, nas celebrações do 14 de Julho deste ano, caiu mal, e que, quando abordado pelo Presidente Francês, disse “Désolé, Mr. le Président”, como se dissesse, “Désolé, la France”, ao que o Presidente (e a França) retorquiram “C’est nous qui étions priviligiés (…)”.

A liberdade, nesse dia, saiu à rua, em Cracóvia e em França. A liberdade, nesse dia, vestiu-se de noiva, como se vê na fotografia e casou-se com o povo, com o povo desdentado, com o povo com acne, com o povo de cabelo desgrenhado e oleoso. Se o amor pelo povo triunfar, ultrapassaremos esta fase de provações que a Europa e outros países atravessam. Cabe-nos a nós, o povo, decidir pegar no pára-quedas, mesmo com vento adverso e arriscando uma entorse, poder ter que vir a dizer: “Desolé, Mr. Le Président”.

Na fotografia, a janela da esquerda, o lado em que o coração pulsa, parece semi-aberta; sem um coração – ao menos - semi-aberto não há liberdade, igualdade e fraternidade que resistam.

Bom dia 14 de Julho!

“Viagem ao país da manhã" (da troika)

  De manhã

                         às vezes
                                          o pão chega embrulhado
                                                                                            no mundo
                                                                                                                  que o protege
                                                                                         Sem mundo
                                                          não haveria pão
                                    e sem  pão
    haverá mundo?


Aviso À navegação: “Viagem ao país da manhã"  é o título de um livro de Hermann Hesse.