segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Figuras de Domingo no (meu) Mundo

Neste Domingo, vi uma senhora com borboletas gigantes, um senhor com asas - a ser explorado por uma aranha - e uma menina que eu jurava ser do Taiti mas que devia ser da Camacha, acabadinha de sair de um quadro do Gauguin. Será da mudança da hora?

A insustentável leveza dos kiwis da Camacha e dos pêros de simpatia

No sábado, como em muitos outros sábados, fui ao mercado. Já não vou ao primeiro andar do mercado porque não quero fazer prova para turista. Encontrei, com as caixinhas de madeira que para lá costuma levar, um senhor que conhece o meu pai. O senhor, como o meu avô e o Leonard Cohen, usa chapéu de feltro. Comprei um chapéu – que sobreviveu ao temporal de 20 de Fevereiro – seguindo a recomendação do senhor que conhece o meu pai. Ele aperta a mão com firmeza e move-se como ponta-de-lança quando precisa de dar troco; e dá muito troco quem tem preços como os dele. Ele vendia kiwis da Camacha e pêros de simpatia. A simpatia do senhor que conhece o meu pai e usa chapéu como o meu avô é muito mais pesada do que os kiwis da Camacha e os pêros de simpatia que me vendeu.

sábado, 29 de outubro de 2011

Os amigos, o tango e o bandoneón

Hoje, vi uma árvore com muitos braços e que distribuia abraços! Não poderia ser outro o prenúncio de um dia que me traria a companhia de um velho amigo e que me daria dois novos amigos e outros tantos abraços! Os amigos aparecem como o bandoneón para o tango: poderíamos pensar um sem o outro?

Até amanhã, no Mercado!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Andrea com acento

Há que saber, primeiro, que ela não se chama Andrea mas Andréa, Andrea com acento; ela lembra-nos já no nome que a língua portuguesa não é insonsa; tem acentos, muda de ritmo e timbre; enxuga e, às vezes, estuga-nos o passo. Talvez melhor ainda do que a sua escrita - Andréa acaba de ganhar o Prémio Saramago 2011 - é o seu sorriso; sorriso que derreteria toda aquela neve que, nesse mesmo dia, se abatera sobre a Serra da Estrela. O mote do doclisboa que agora decorre é “em Outubro, o mundo inteiro cabe em Lisboa”. De alguma maneira, pareceu-me que a língua portuguesa cabia toda no sorriso - todo ele já parte da escrita - da Andréa.

“Os Malaquias [o título do romance premiado] trouxeram-me para a Pátria Mãe da Língua [Portugal]” dizia a Andréa del Fuego à jornalista. Andréa Fátima dos Santos, a pessoa por detrás da escritora, está grávida – Andréa del Fuego está grávida em permanência. As duas – Andréa Fátima dos Santos e Andréa del Fuego - tinham pensado em Francisco como nome do menino-por-vir; Pilar del Rio disse-lhe que José talvez não ficasse mal; agora, há uma grande probabilidade do menino chamar-se Francisco José (o arquiduque literário).

Hoje, leio que Nicinha, irmã mais velha de Caetano Veloso e Maria Bethânia perecera, estando há já algum tempo internada no hospital português. O hospital português levou parte do que a maternidade da língua portuguesa trouxe.
  

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A estrada antiga e a "Flamboyant" do Congo

Quando vou ao Funchal, quero ir na estrada antiga e, já quase na Boa Nova, ver o que me lembra a "Flamboyant" (árvore) do Congo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O Mundo Azul sem fronteiras na mão do Menino Jesus ou o Futuro Presépio

Os Reis Magos[1], onde fui a banhos, ontem, trazem consigo o nome dos mesmos Reis Magos que vi no tecto da Igreja da Nossa Senhora da Luz, que não por acaso, certamente, se situa na Ponta do Sol. Quem vir os pôres-do-sol na Ponta do Sol, o sol a entrar lânguida e sabiamente naquele mar infinito, sentir-lhes-á, seguramente, a falta.
Na Madeira, quando se tomam banhos de mar, diz-se precisamente, “vou ao mar”; não se diz vou ao Oceano Atlântico; provavelmente porque o mar aproxima o que o oceano parece querer deixar distante.
Nos chãos dos Jardins da Quinta das Cruzes, de pedra rolada, havia flores e sementes – as sementes que, no Centro da Europa já estão secas, na Madeira, ainda estão verdes.
A mesma pedra rolada cobre o adro da Igreja da Nossa Senhora da Luz. No concerto de ontem à noite, onde não estive só: fui com a minha mãe, a minha tia e havia também uma flauta de bisel – que, como disse o titular do órgão da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa, é por muitos associada a um instrumento de iniciação musical mas que teve um papel preponderante no século XVII - um órgão de tubos do século XVII e uma viola da gamba. Pensava que ia deixar-me embalar pela leveza dos madrigais, o que também me aconteceu, mas deixei-me, sim, embarcar na leveza do tecto hispano-árabe da capela-mor, e que bonito que ele é, pelos azulejos e pela estatuária exposta numa vitrine: vi a Nossa Senhora do Patrocínio, em cuja honra foi apelidada uma das capelas, reconheci um Menino Jesus pronto a fazer parte de um futuro presépio de escadinha (um presépio tradicional madeirense com fruta, frutos secos e amor viçoso) e um outro Menino Jesus segurando, na mão, um globo azul sem fronteiras delineadas; é precisamente neste mundo azul, e onde tomei, ontem, banhos de mar, em que acredito.
Post-scriptum I: Não será por acaso que me chamo MARco.
Post-Sciptum II: Como é impossível falar-se de presépio sem sentir o Natal, deixo aqui uns versos de Francisco Gomes da Silva, que abrem a sua viagem literária na “Baía da Saudade”: “Lindas manhãs de Dezembro, Chega a quadra do natal; Todos os dias me lembro, Dessa festa no Funchal. Há pregões por todo o lado, logo pelas manhãzinhas; Os vilhões e camacheiras, (…)”. Quando cheguei a casa, este livro esperava por mim na minha mesa de cabeceira, onde, agora, é Natal. Agradeço a quem lá o deixou.


[1] Os Reis Magos são (também) uma praia sita no Caniço, concelho de Santa Cruz, Ilha da Madeira.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Praia da Árvore

Costumo abrir o pórtico dos meus dias com o noticiário da rádio, em português. Hoje, apanhou-me de surpresa a notícia que as buscas de um senhor que desapareceu enquanto fazia parapente reiniciaram-se na Praia da Árvore. Durante o fim-de-semana, tinha-me sido dado a conhecer (apesar do que a gramática possa indicar, não há certamente apenas uma passividade no conhecimento) a poetisa colombiana Graciela Rincón Martínez. Graciela viaja pelo mundo - talvez para combater os “rincones”, o seu nome do meio e os cantos existentes no mundo, onde se deixa de ver o outro – fazendo o que se poderia literalmente apelidar de árvore genealógica, falando com as árvores que a habitam mesmo que as veja pela primeira vez nos jardins por onde passa (o título da edição especial que me foi apresentada é “L’arbre qui m’habite/El árbol que me habita”). Graciela vê amigos onde outros vêm raízes e abraça velhos conhecidos onde outros apenas vêm árvores. Graciela nunca se sente só nas suas viagens porque tem as árvores que encontra pelo caminho e as árvores têm-na a si.
Graciela provavelmente não saberá da existência da Praia da Árvore, em território continental português; quanto a mim, espero que o golpe d’asa do senhor des-aparecido e as raízes da Gabriela se encontrem brevemente. Como dizia a Debora Noal (v. post de 29 de Setembro) “as minhas raízes são aéreas”.

sábado, 8 de outubro de 2011

A "Esplanade du Trocadero", a senhora Maria e a ausência de onda curta

Na "Esplanade du Trocadero", sentimo-nos donos do mundo mesmo sabendo que o mundo não é propriedade de ninguém, ao contrário do que muitos (especuladores) possam pensar.
Na "Esplanade du Trocadero", há artistas de rua, prestidigitadores, turistas, muitos, casais de namorados que vêm confirmar o seu carinho em frente da “Tour Eiffel”. Nos dias claros, sem névoa na imaginação, ainda conseguimos entrever as restantes construções da Exposição Universal de 1889. Gosto da "Esplanade du Trocadero" enquanto espaço público, inalienável, inapropriável, aberto a todos.

Gosto também do espaço público hertziano proporcionado pela onda curta. Há dias, lembrei-me da senhora com o lenço na cabeça (não, não são apenas algumas senhoras muçulmanas que o usam) com quem me cruzava na lavandaria – literalmente - da esquina, em Asnières, uma cidadezinha a Norte de Paris, onde as ruas têm nomes de filósofos. A senhora Maria, nome fictício pois nunca lhe perguntei o seu, em breve, deixará de poder escutar a RDP Internacional, em onda curta, pois o serviço será descontinuado. Tenho a certeza que nunca perguntaram à senhora Maria o que acha desta descontinuação; quanto a mim, não me parece que as requeridas poupanças se devam fazer à custa de quem frequenta as lavandarias – literalmente - de esquina. Com esta decisão, à senhora Maria ser-lhe-á muito provavelmente negado o espaço público português que chega aos locais mais recônditos ou àqueles que, sem ele, provavelmente, serão abrangidos pela infoexclusão mormente no que diz respeito ao seu país.

E sabemos o quão triste e pesado é não ter notícias do seu país e parece-me da mais pura justiça (e que bonita expressão) que a senhora Maria continue a ter notícias do seu (e do meu) país.

S(er)ão rosas, senhor, s(er)ão rosas?

Hoje, levantei-me muito cedo, sem despertador. Como não sabia muito bem o que fazer, fui fazer o que se faz em França quando não se sabe o que fazer: fui comprar pão, uma “banette”.

As banettes (e as baguettes) levam-se como se levam flores, de pé, à altura quase da vista. Penso que não será por acaso que a Rainha Santa Isabel tenha dito “São rosas, senhor, são rosas” quando, na verdade, carregava o pão (que deveria ser) nosso (de cada dia).

Passei pelo mercado da Boulevard de Marne, onde se vende desde a menta fresca – com sotaque do Maghreb – até à galinha de criação caseira da Alsácia. “São rosas, senhor, são rosas”.

Contudo, não vos disse toda a verdade e nem toda a gente, em França, quando não sabe o que fazer vai comprar pão. Quero, contudo, acreditar que em tempos de crise social, política, económica e financeira as Rainhas Santa Isabéis serão como as bruxas na Galiza. Serão rosas, senhor, serão rosas?