quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Os cantos dos pássaros nos sinos das tosquias


Arrumo livros - num dia bom, eu arrumaria e desarrumaria livros, abrindo-os, folheando-os, lendo passagens que a memória não guardou mas que ainda retinem no coração – e encontro, no “Poemário”-prenda-de-Natal, “Os Sinos” por Mário Rui de Oliveira.

“Como o amolador de tesouras, persiste no meio da cidade. Na sua inocência, as coisas por nós perdidas dançam. Que memória nos trazes, ó visitador? Que estradas conhecem tua voz, intimíssimo amigo que esquecemos?

É tarde e, talvez, já ninguém. Mas na rua passou a voz do amolador, orvalhada, como os sinos da velha igreja. Não tocam, mas os pássaros cantam lá dentro”.

Este poema é como a Nova Iorque dos campos na cidade: mesmo que nunca lá tenhamos estado, há um sentimento permanente de “déjà vu”.   

Um ou dois livros mais adiante - "Tosquias festa e arte por Luísa Gonçalves e Duarte Gomes" -encontro algo que me faz lembrar o amolador de tesouras: Mateus Filipe Miragaia, residente em Donfins, anexa da freguesia de S. Pedro do Jarmelo, no Concelho da Guarda, é o último artesão a produzir tesouras para tosquias. Hoje em dia, as tesouras já não mastigam tanto porque quase se abandonou a tosquia manual das ovelhas; mas quantos pássaros cantarão (caberão) nas pancadas na bigorna ao fazer as tesouras das tosquias?
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário