sábado, 28 de janeiro de 2012

Onde fica Auschwitz no nosso coração?

Estrangeiro, meteco, de outra laia, o outro, “barata”, “mosquito”: sempre houve e haverá, infelizmente ainda por muito tempo, várias maneiras de denominar aquele que está do outro lado; na verdade, tenta-se desvalorizar o desconhecido, receia-se a diferença e a quebra da rotina. Hoje, 27 de Janeiro, é um dia em que se comemora sobretudo aqueles que, por causa da sua diferença, foram ostracizados da cidade, do campo de visão, do con-tacto humano; hoje, é também um dia em que se comemora aqueles, que, por várias razões – razões que, como os rios, desembocam no mar da humanidade – lutaram ao lado dos que eram afastados da vida devido à sua diferença.

É com bastante pena que ouço na rádio, que, neste mesmo dia de exaltação da pessoa e da liberdade de ser diferente – duas dimensões da dignidade da pessoa humana – acontece, em Viena – capital de um país onde talvez o debate sobre o passado nazi ainda não tenha atingido foros de cidade - um baile onde se reúnem vários representantes dos diferentes movimentos de extrema-direita que grassam por (quase) toda a Europa. Estas conexões com os movimentos de extrema-direita levaram mesmo a que o baile de Viena fosse retirado da lista de património cultural da humanidade da UNESCO.

Apesar disso, há com certeza centelhas de esperança, como o recente pedido de desculpas por parte do primeiro-ministro norueguês - que já havia carregado a humanidade às costas quando proclamou ao mundo, depois do massacre na Noruega, que estas afrontas à humanidade no seu conjunto só se combatem com mais democracia – pela participação da Noruega na deportação de Judeus durante o Holocausto.

É com certeza necessário relembrar Edmund Burke quando disse que “all that is necessary for the triumph of evil is that good men do nothing”.

No dia anterior a esta celebração, ouvia também na rádio, que, numa sondagem recente encomendada pela revista alemã “Stern”, 21% dos jovens alemães, com idade entre os 18 e os 29 anos, não sabem que Auschwitz foi um campo de extermínio; e 31% não sabem indicar no mapa a localização de Auschwitz. Perguntei-me a mim mesmo: e onde fica Auschwitz no nosso coração?

Quando esta quinta-feira, o Comissário para os Direitos do Homem junto do Conselho da Europa apresentou o seu relatório anual à respectiva Assembleia Parlamentar, referiu que um dos ingentes problemas que aflige, hoje, as sociedades europeias é precisamente a falta de tolerância, mencionando a falta de personalidades políticas – a todos os níveis: europeu, nacional, regional e local - que veiculem a mensagem que não há qualquer necessidade de temer o outro, mesmo em tempos de crise económica. Se isto não for feito, estes grupos de extrema-direita continuarão a alargar o seu campo de influência, acrescentou. Apesar disso, uma sondagem efectuada pelo “Holocaust Memorial Day Trust” demonstra que mais de metade das pessoas questionadas consideraram que as redes sociais eram importantes na luta contra a discriminação e na promoção da tolerância. Fica então aqui o repto – e a contribuição - para que se contraponha à falta de vontade, visão e coragem política de vários agentes políticos, o empenhamento cidadão a favor do ser humano, quer seja judeu, de etnia cigana, homossexual, cidadão com deficiência, emigrante, exilado, mulher, criança ou portador de qualquer característica que o/a torne vulnerável. Porque, como lembrava o Comissário no referido discurso, os bodes expiatórios de hoje são os mesmos bodes expiatórios de ontem e que esta versão travestida, espertalhona, de extrema-direita é ainda mais perigosa do que a anterior.
Parafraseando o poeta Tolentino Mendonça, apetecia mesmo perguntar, a que distância deixámos Auschwitz? A tal pergunta, só me apetece responder, porque não oferecer às crianças de amanhã (que trazemos por dentro) o melhor da humanidade de hoje?

Nota Bene: As Nações Unidas decidiram, a 1 de Novembro de 2005, assinalar o dia 27 de Janeiro – o aniversário da libertação de Auschwitz pelas tropas soviéticas – como o dia internacional para a comemoração das vítimas do Holocausto.

Sem comentários:

Enviar um comentário